Por: Sebastian Tashow
Desde que foi inaugurada em 26 de agosto de 2016, a Clínica da Família Ivanir de Mello tem sido referência de saúde para a população de Ricardo de Albuquerque e Deodoro, territórios anteriormente desassistidos pela atenção básica.
A implantação do serviço veio de encontro a várias demandas e reivindicações antigas de uma comunidade adoecida. Todos os dias adentram por nossas portas pacientes hipertensos fazendo picos hipertensivos, diabéticos descompensados, crianças sem acompanhamento, mulheres e homens com patologias diferentes que merecem do profissional de saúde um acolhimento e escuta qualificada.
E nessa escuta qualificada pacientes com demandas ligadas a saúde mental. Todos os dias nos deparamos no espaço da Clínica das Família Ivanir de Mello com os sofrimentos alheios das vozes que gritam e não são ouvidas, dos corpos que perambulam pelas ruas ignorados pela sociedade. Perderam o nome, a identidade, e confesso que me faz lembrar da música do cantor e compositor Caetano Veloso: "Caminhando contra o vento sem lenço e sem documento...".
Nosso olhar para esse público precisa ser diferenciado, é preciso trabalho árduo e construção de projeto terapêutico singular. Apesar desses usuários não serem de ninguém, são nossos. A amplitude da saúde da família engloba da criança que ainda está no ventre materno ao paciente idoso em fase terminal. Coordenar o cuidado, repensar encaminhamentos e produzir responsabilização também faz parte dessa clínica ampliada.
Me lembro de um jovem, aparentemente sem futuro. Agredido por todos, inclusive vítima da família. Desagarrado da vida tenta o suicido. Sem chão, regride no tempo. Se isolo num quarto, onde vive o isolamento e o embotamento social e afetivo. Chegamos até ele devido as crises. Através da fala nos comunicamos por um tempo. Não sou psicólogo, mas posso ouvi-lo e isso fiz. Após alguns atendimentos a construção de um projeto singular em equipe. Dança, música, artesanato e convite para viver em sociedade. As crises se foram. as dores passaram e as feridas em processo de cicatrização. Refeitos os laços familiares. Somos atenção básica e não um serviço especializado, mas fizemos a diferença para esse rapaz.
Como essa, muitas outras histórias podemos contar. E isso não nos faz apenas contadores de histórias, nos faz protagonistas no acesso de todos usuários ao SUS. Esse é o nosso objetivo.
Na saúde mental ainda somos bebês e engatinhamos lentamente, passo a passo. As quedas fazem parte, mas o levantar-se e seguir em frente é importante, e nosso próximo passo, decidido em reunião geral é montarmos um grande coral, de vozes, vozes que serão ouvidas, lembradas e aplaudidas por todos.
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